Dois
Papas é uma obra cinematográfica sobre o encontro dos dois últimos papas da igreja
católica romana. Desde o Conclave de 2005, com a eleição do cardeal alemão
Joseph Ratzinger como Papa Bento XVI, sua renúncia em 2013, até a eleição do
cardeal argentino, Jorge Bergoglio, como Papa Francisco.
O
melhor filme que assisti nos últimos tempos, Dois Papas me arrebatou com seu
conteúdo, seu fluxo e equilíbrio, sua medida justa (sem excessos), mas sem
dúvida, sua capacidade de sintetizar tantos assuntos importantes:
Sincretismo – não absolutamente
de doutrinas diferentes, mas de duas personalidades com experiências e visões
tão diferentes, ambas ancoradas sob uma mesma instituição religiosa;
Respeito e tolerância
(em tempos de globalização da opinião avulsa e demérito do estudo e da pesquisa);
Representatividade (Papa
Francisco como o primeiro papa jesuíta e sul americano em 2 milênios de
instituição);
Lei sistêmica da Ordem
(um Papa honrando, antes de mais nada, e apesar de toda diferença de visão, aquele
que o precedeu):
Dores latino-americanas ainda latentes: ditadura e opressão;
Humanização de autoridades religiosas;
Fragilidade de uma das maiores instituições religiosa e política – a igreja católica romana;
Espiritualidade nas coisas banais e rotineiras (quando o cardeal Bergoglio usa conceitos religiosos para
explicar o “espírito” do jogo coletivo que é o futebol);
“O caminho do meio” budista:
começamos o filme com um protagonista e um antagonista, clássicos, e terminamos
o filme com dois protagonistas. Simbólico, não?!
Falar
sobre tudo que esse filme me suscitou levaria horas sem fim. Portanto, vou
apenas fazer pequenos destaques, recortes do que mais me tocou – daquilo que
deixou em mim reflexões e gratidão pela constatação de saber-me um ser poroso,
penetrável e mutável.
É
muito fácil se apaixonar (se identificar) pelo cardeal Bergoglio. A
interpretação magistral de Jonathan Pryce, deixa um canal limpo para
assimilação da humanidade dessa autoridade religiosa: sua alegria, sua
abertura, seus pequenos prazeres mundanos (apaixonado pelo futebol e pelo tango),
suas escolhas equivocadas, suas dores e arrependimentos, sua autocrítica e
superações reveladas em uma decisão e esforço em ser humilde e caridoso, sua
criticidade corajosa. Tudo nele é demasiadamente humano e singelo.
Já
não é tão fácil para nossa latinidade se conectar com o alemão Ratzinger (impecável
Anthony Hopkins). Este nos traz facetas menos apreciadas por nós. É mais
fechado, um teólogo erudito, catedrático, rebuscado, sisudo, solitário/isolado,
que, ao longo do filme, por uma narrativa que busca com êxito aproximá-lo
gradativa e moderadamente de nós, nos explica que, talvez, por não ter vivido a
sua infância de forma pueril, mas distante da leveza e liberdade próprias de
uma criança, se tornou um adulto isolado, fechado, demasiadamente sério. Sem
dúvida é uma explicação que ganha nosso afeto, trazendo à tona nossa empatia.
O
verdadeiro encontro, tão sublime nesta obra, se dá à medida que o encontro
entre autoridades religiosas dá espaço para o encontro entre humanidades
diferentes e complementares. Testemunhamos um casamento de almas alicerçado no respeito,
na admiração recíproca, no propósito comum de encarnar a palavra de Deus.
Ah!
E que beleza a constatação, bem clara e diante de nossos olhos, do respeito à lei
sistêmica da Ordem (Bert Hellinger). Quando, no discurso de nomeação do Papa
Francisco, ele, antes de mais nada, convoca a todos para orar pelo ex Papa
Bento XVI. É comovente demais! Honrar o que nos antecede é poderoso, é natural,
é curativo, é se colocar a favor do fluxo da vida.
“Irmãos
e irmãs, boa noite!
Vós sabeis que o dever do Conclave era dar um Bispo a Roma. Parece
que os meus irmãos Cardeais tenham ido buscá-lo quase ao fim do mundo… Eis-me
aqui! Agradeço-vos o acolhimento: a comunidade diocesana de Roma tem o seu
Bispo. Obrigado! E, antes de mais nada, quero fazer uma oração pelo nosso
Bispo Emérito Bento XVI. Rezemos todos juntos por ele,
para que o Senhor o abençoe e Nossa Senhora o guarde.”
O
filme me trouxe flashes de outras “ambivalências”: o livro-diálogo do Padre
Fábio de Melo com o filósofo Leandro Carnal; Freud e Jung e por aí afora.
Sigo,
horas após assisti-lo, inspirando e expirando esse encontro fictício, que bem
poderia ter sido real. Se não o foi, então, que ele seja real pelo menos dentro
de nós, ao comungarmos nossas contradições, nossas polaridades, nossas verdades
e medos – a comunhão “do bispo e do povo” que nos habita.
“E
agora iniciamos este caminho, Bispo e povo... este caminho da Igreja de Roma,
que é aquela que preside a todas as Igrejas na caridade. Um caminho de
fraternidade, de amor, de confiança entre nós. Rezemos sempre uns
pelos outros. Rezemos por todo o mundo, para que haja uma grande fraternidade.
Espero que este caminho de Igreja, que hoje começamos e no qual me ajudará o
meu Cardeal Vigário, aqui presente, seja frutuoso para a evangelização desta
cidade tão bela!
E agora quero dar a bênção, mas antes… antes, peço-vos um favor: antes
de o Bispo abençoar o povo, peço-vos que rezeis ao Senhor para que me abençoe a
mim; é a oração do povo, pedindo a Bênção para o seu Bispo. Façamos em
silêncio esta oração vossa por mim.”
O
Papa Francisco abaixou a cabeça em sinal de oração e todo o povo silenciou por
um momento. O mesmo homem que durante a cerimônia do Conclave assoviava,
faceiramente, Dancing Queen.
Antes
de encerrar, vale destacar que coube principalmente à trilha sonora dar os preciosos
pitacos cômicos e de bom humor à obra. Dancing Queen – Grupo Abba / Blackbird –
Beatles / Bella Ciao – Banda Bassotti / Bésame mucho / Guantanamera...
Viva Fernando Meirelles!
Viva o cinema!
Viva Anthony McCarter!
Viva Jonathan Pryce!
Viva Anthony Hopkins!
Viva a vida!!!
Maravilhoso!
ResponderExcluirO filme e a sua resenha.