Direção: Lasse Hallström
Ano: 2014
É um daqueles filmes que usa a
metáfora da culinária para falar de questões humanas universais, tais como o
amor, a família, o propósito de vida, as divergências culturais, a tolerância e
outras tantas questões que, inevitavelmente, movimentam nossas vidas, nos
proporcionando o experimento do que é ser humano.
O filme segue a receitinha de
sucesso trilhada por outros filmes com a mesma temática, com estrutura
conhecida e desdobramentos previsíveis. Os clichês sobre o que é ser francês ou
indiano quase comprometem definitivamente o filme. Porém, ao não deixar se
enganchar nesses deslizes, é possível perceber algum potencial da obra em fazer
dançar algumas preciosas ideias.
O enredo: uma família indiana,
após uma tragédia que leva à morte a estimada mãe da família, passa anos
perambulando pelo continente europeu, mudando de cidade de tempos em tempos,
até que um dia, devido a um “quase” acidente fatal (do destino!) se fixa em um
vilarejo francês. Lá, por “teimosia intuitiva” do pai, resgatam um
antigo casarão para abertura de um restaurante indiano. Detalhe: exatamente em
frente a um respeitado restaurante francês, estrelado no famoso Guia Michelin.
Bem, minimamente, já sabemos os desdobramentos que teremos.
Acontece que, deixados de lado os
temas mais clichês do filme, como os (des)afetos que vão surgindo no decorrer
da obra, seus encontros, e a trajetória do jovem chef de cozinha, Hassan, até
seu estrelato no mundo da alta gastronomia, algo raro vai se desvelando bem
diante dos nossos olhos – aquilo que denominamos SINCRETISMO. Algo que, com a
força por vezes devastadora da globalização, cada vez é mais raro de acontecer.
Essa “protocooperação” entre duas culturas extrapola a arte da culinária –
talvez ela seja apenas o ponto de partida. Sim, porque algo novo nasce. Quando
Hassan é guiado por Madame Mallory (autoritária
chef do restaurante francês) pelos conhecimentos da refinada gastronomia
francesa, sem abandonar a tradição indiana, um salto culinário acontece de
fato, mas não menos que um salto daquelas consciências envolvidas – um entendimento
de que antes de sermos franceses ou indianos, somos humanos, e que esse “humano”
tem muito a se experimentar. Primeiro o reconhecimento, que se dá de forma
gradativa. Logo, abre-se espaço para a assimilação recíproca, e então, o
próprio ser se transforma, se expande dentro do universo que contempla algo
divino no/do humano. Do mesmo modo que o prato servido no restaurante francês
já não é o mesmo, a Sra. Mallory também não o é. Não é só o restaurante que
ganha uma estrela. Seus personagens principais tb. Nitidamente são modificados –
mantêm suas essências, mas já são outros, a partir do outro.
O tema é muito mais que uma
guerra de menus!