segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Um perfil para dois – de Stéphane Robelin (2017)




Tem filme que parece uma manhã de primavera, com um céu claro, limpo, uma brisa sorrateira, e uma miragem multicolorida de um jardim distante. Um discreto perfume e uma atmosfera que afirma que a Terra é o mais doce lar. Neste cenário, até as bizarrices humanas são mitigadas, e o que é um problemão, de repente, se dissolve e tem um fim inusitado e promissor.

Quando sentei na poltrona do cinema, falei para o meu amigo: “podia tanto ser um filme que faça valer a pena sair de casa”. Quisera no fundo dizer: “que fizesse valer a distância do sorriso mais lindo do meu pequeno guri”.

O Universo capturou meu desejo, e me entregou um filme leve, surpreendente, original, daqueles que nos faz sair do cinema com uma ginga meio bossa nova nos passos e na cachola.

Mas calma lá, não é um filmaço – é um filme que vale a pena. Entende?

A obra conta a história de Pierre, um viúvo aposentado que perdeu o gosto de viver. Sua filha contrata Alex para lhe ensinar a usar o computador. Alex ajuda Pierre a criar um perfil num site de relacionamento, só que Pierre decide usar a foto de Alex, sem consultá-lo. Ele acaba fazendo contato com a jovem, doce e sensível Flora. Devido a sua travessura, marcar um encontro com ela acaba sendo um problema a ser resolvido.

Penso que todo filme tem uma razão de se enganchar na gente. No meu caso, ele tocou numa questão latente, que anda fazendo parte das minhas reflexões íntimas: a CRIATIVIDADE. Não exatamente a criatividade do artista que culmina numa obra de arte. É uma criatividade para além dessa. Uma criatividade intrínseca ao ser humano, que se manifesta no seu modo de viver, de se desenvolver, de se revelar enquanto humano, com uma identidade, com suas formas de pensar, agir e enxergar o mundo. É como se na pluralidade infinita das manifestações, nos contentássemos com umas poucas configurações/padronizações do modo de viver e se relacionar.

Na narrativa em questão, o filme nos mostra uma forma atualmente conhecida de conhecer pessoas - pelos aplicativos de encontro. Todavia, uma transgressão acaba se desdobrando em uma história original. É preciso sair do julgamento do que é correto ou incorreto para ousar uma forma não usual, ainda não explorada, de fazer acontecer as coisas.

Neste caso, foi Pierre, por não ter nada a perder, que se arriscou. E aí entra outra reflexão: é preciso ter a Morte nos beirando? É preciso esperar chegar em tão avançada idade? É preciso carregar o peso de uma “quase e mal interpretada senilidade mental” para arriscar fazer “o que não se deve”? É preciso um certo descrédito pessoal para não levar a vida tão à sério a ponto de “carregar na tinta”?