terça-feira, 16 de setembro de 2014

O Amor já te despertou? Sobre o filme "As mulheres do sexto andar" (Les Femmes du 6e étage) – de Philippe Le Guay


Pode um HOMEM chegar à meia idade sem se lembrar de qual foi a última vez que fez algo movido pela paixão? Movido pela escolha autônoma e legítima do seu coração? Este é Jean-Louis Joubert!

Pode uma MULHER do campo, no afã de atender as supostas expectativas de um homem citadino e de uma sociedade burguesa, esquecer-se de sua essência caipira/camponesa, fundamental para mantê-la centrada e em harmonia com seu próprio ser, de posse do seu poder criativo? Esta é Suzanne!

Pode uma IMIGRANTE deixar para traz sua história, suas raízes, sua forma de viver cooperativa e fraternal, devido à necessidade de “ganhar a vida” em outro contexto – estrangeiro, insalubre e explorador? Esta NÃO é Maria Gonzalez!

Eis a diferença entre os homens!

Uns pagam com sua felicidade na proporção em que se distanciam de sua essência, suas raízes, suas memórias celulares primeiras. Outros, apesar das adversidades, se mantêm fiéis a si mesmos, e por isso exalam o perfume da flor mais cheirosa, o frescor da manhã mais amena, as cores da primavera mais tropical. Estes últimos são capazes de despertar aqueles que adormecem sob máscaras que não lhe são próprias.

A empregada doméstica Maria González desperta o patrão Jean-Louis, homem adormecido sob a máscara do burocrata francês, cuja vida morna e regrada lhe escorre pelos dedos sem que se dê conta da eternidade de cada momento. É preciso que algo sublime aconteça para que ele reconheça o brilho dos olhos de Maria e suas conterrâneas, a felicidade sem causa que contagia todo o grupo de mulheres que moram no precário e apartado sexto andar, o estado de presença absoluto de cada uma daquelas forasteiras, primeiramente reconhecido e apreciado em Maria, ao cozinhar seu ovo até o ponto exato ou ao impor um salário à sua altura. Gestos e posturas simples, mas que movimentam uma energia cheia de vida, latejante, que o faz querer viver plena e profundamente.

Imagina um homem de meia idade que, de repente, se dá conta que a vida pode ser e é muito mais?! Muito mais que a rotina do café da manhã predito, do ir e vir do trabalho, da realização de um lucrativo contrato financeiro, da ampliação da carteira de “bons” clientes. Que uma vida concomitante, complementar e latejante acontece em nosso interior quando percebemos que nossos poros se dilatam; nosso sangue não contenta em apenas circular pelas nossas veias, quer viajar, derrapar, testar os limites desse túnel venoso; quando nossa pupila cresce e capta cada nuança e cor ao redor; nossas narinas farejam odores até então jamais percebidos; Entramos em pleno estado de beatitude. Que bela cena de Jean-Louis com ele mesmo, num quartinho pequeno e esquecido, uma cama, um criado e um vinho. E a vida pulsando deliciosamente na teia subatômica de seu corpo. Nada é capaz de lhe tirar a paz proporcionada pela descoberta de ser o que se é, este resgate e apropriação de sua própria alma. Este novo Jean-Louis começa se apaixonando por Maria, depois por ele mesmo, e em seguida pela vida toda à sua volta, até a borda. Nutre-se do bem estar que advém em ajudar o próximo, em atender quem realmente precisa, em se fazer importante para alguém. Reconhece-se realmente EXTRAordinário, alguém atento em não cair na armadilha mortal da rotina.

Suzanne, sua mulher, não tarda perceber que seu velho e decifrado marido está a morrer e que um novo homem se deita ao seu lado. Esse homem, renascido, lhe faz recordar uma jovem camponesa, autentica e feliz, que um dia existiu, despertou o interesse de um jovem francês da cidade, e que, por supostas exigências externas, foi colocada no baú das memórias intocadas para que pudesse surgir uma esposa alienada, fútil e sociável, que atendesse a demanda de uma sociedade burguesa. Dá-se conta que no afã de atender supostas expectativas do marido acabou perdendo aquilo que lhe era mais raro e precioso, algo que é premissa para se fazer verdadeiramente amada, sua Autenticidade.

Não sabemos que fim levou Suzanne, mas é bem possível que reaprendeu a cuidar de seu próprio jardim, atraindo lindas borboletas.



Quanto a Jean-Louis e Maria, confiem em mim, viveram felizes para sempre (lembrando que o “sempre”, sempre acaba)!