quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Roma - um filme de Alfonso Cuarón




Há alguns dias assisti a um filme daqueles de tocar a alma. Tenho visto filmes legais, mas este foi diferente. Se há um oásis escondido dentro de nós, de água pura e serena, cujo caminho até ele, às vezes, nos esquecemos, Roma, com seus personagens extraordinariamente humanos, se encarrega de nos iluminar o caminho. Assistir a esse filme foi o mesmo que tocar essas águas e saciar a minha sede.

O filme, semi-autobiográfico, conta a história dos primeiros anos de vida do próprio autor – Alfonso Cuarón, sob o olhar da doméstica Cleo. Se passa no distrito de Colonia Roma, na Cidade do México, nos anos 70. Cleo engravida na primeira relação sexual de sua vida e é abandonada. Simultaneamente, sua patroa é deixada pelo marido e se vê sozinha na criação de quatro filhos. Juntas, comungam o amor por essas quatro crianças e aquela força que brota quando mais frágil nos encontramos.

Não sei ao certo o segredo do filme. Talvez uma combinação de fatores: sensível, descaradamente cotidiano, simples, real, bem produzido, impecável.

Há muito para se destacar nesse filme, mas foi sua dualidade e a sinergia desses opostos, em movimento, que proponho aqui um destaque.

Fotografia em preto-e-branco, contexto público e privado, classe social baixa e média, abandono e acolhimento, fragilidade e força, doçura e amargor - opostos em movimento, como yin e yang, fazem a roda da vida girar desenrolando uma história tocante, daquelas que acendem uma luzinha dentro de nós.

O que dizer também da beleza da sororidade entre as duas mulheres – patroa e doméstica - tão diferentes e tão parecidas ao mesmo tempo. Compartilham, para além das dores coletivas do feminino, o amor por aquelas crianças, a amargura do abandono, nos revelando uma verdade por vezes esquecida – a de que a própria dor nos sensibiliza para a dor do outro, e nesse encontro, para além da empatia, nos curamos e nos fortalecemos.

Numa das últimas cenas, onde Cleo, entorpecida de sofrimento pela recente perda que teve, entra em mar agitado para salvar as crianças, sem saber nadar, vislumbramos, talvez, a mais preciosa mensagem dessa obra prima: ao salvar o outro, nos salvamos de nós mesmos.