terça-feira, 18 de agosto de 2015

GATTACA - Medo, o desafio que nos impulsiona


 
Quando falamos de medo, dá até medo! Mas já perceberam quanta coisa boa pode acontecer a partir dele? Tem gente que pensa que não tem, mas... quem nunca sentiu medo de perder o acesso às criaturas que ama? Não ser bom ou preparado o suficiente? Não ser amado quanto gostaria? De cair gradativamente no esquecimento por aquele que jamais esqueceremos? De não se curar de um grande mal? De sonhar e, mais uma vez, ter seu sonho interrompido?
Às vezes nos paralisamos diante dele. Mas, às vezes, ele nos desafia a tal ponto que nos impele rumo ao imprevisto, ao sem garantia, aos verdadeiros e novos descobrimentos. O medo se torna um convite arriscado para conhecermos nuanças próprias que, na acomodação e na garantia de segurança, jamais seriam percebidas. Desafiar o medo, encará-lo com coragem (com o coração) é ampliar-se. Coragem e determinação andam juntas, sendo o medo o ponto de partida. Coragem parece ser atribuição da alma. À matéria (gene) cabe refleti-la de uma forma mais densa e óbvia.
Eis do que se trata essa história – Um sujeito “classificado” (reduzido) a partir de seu código genético, que com audácia, coragem e determinação prova a si mesmo (A si mesmo!!! Isso é o mais legal.) que ele é muito mais que um gene. E vai além -  que é esse gene que está “a seu serviço”, e não o contrário.  Falando de outra forma: a matéria como reflexo de nossos corpos mais sutis (do sutil para o denso). Quem (ou o que) está por trás? Quem tem as “rédeas” de nossas vidas? Quais os nossos limites? O que significa cumprir a nossa vocação humana?
O filme mostra, cronologicamente, uma disputa de resistência, em alto mar, do personagem principal com o seu irmão geneticamente viável (perfeito) - na infância, quando jovens, e mais tarde, já adultos. E me é inevitável a associação à algumas leituras que tenho feito sobre a Epigenética.
Pra quem não sabe, a epigenética é definida como modificações do genoma que são herdadas pelas próximas gerações, mas que não alteram a sequência do DNA. “Por muitos anos, considerou-se que os genes eram os únicos responsáveis por passar as características biológicas de uma geração à outra. Entretanto, esse conceito tem mudado e hoje os cientistas sabem que variações não-genéticas (ou epigenéticas) adquiridas durante a vida de um organismo podem frequentemente serem passadas aos seus descendentes. A partir do momento em que um óvulo é fertilizado por um espermatozoide, essa nova célula (agora denominada de ovo) dará origem a um conjunto de células que irão originar o embrião. A formação do embrião depende da captação de sinais pelas células, sinais estes que podem vir de dentro das próprias células, de células vizinhas (incluindo as células da mãe) e do meio externo (do ambiente). Os sinais recebidos pelas células irão determinar não somente a morfologia e fisiologia do futuro embrião e indivíduo, mas também o seu comportamento. Nesse sentido, as células respondem a nutrientes e hormônios, mas também a sinais físicos, como calor e frio, e comportamentais, como estresse e carinho”. Há estudos que mostram que “as mães passam aos filhos os efeitos cognitivos durante a gestação, provavelmente liberando hormônios que fazem com que marcadores químicos epigenéticos (não dependentes dos genes) apareçam nos genes de seus filhos, regulando sua expressão depois do nascimento”.
Apesar de receber, ainda bebê, o prognóstico de que seria um ser geneticamente falho, fracassado, e com poucos anos de vida, essa parte de que somos feitos, que está para além da matéria, decide não se resignar, interfere e modifica a “determinação genética” escrevendo uma nova história, se tornando um ser muito diferente do que se previa.
Que ousadia da ciência achar que pode nos definir e apontar nosso “destino”!
Outros pontos também me chamaram a tenção:
- Qual a vantagem de sermos perfeitos (ou quase perfeitos)? Não seria o lance de sermos imperfeitos o “Q” que faz essa vida ter algum sentido? É a partir desse ponto de “imperfeição” que podemos nos movimentar, nos experimentar, seguirmos em direção a algo maior. Do aquém para o além.
- Economizamos uma energia que é inacabável. Pra quê? Postergamos, pra quê? Economizar o que em nós é infindável (amor, plenitude, sabedoria...) não faz sentido. A vida é um convite à exploração! Só temos o momento presente para fazer o que há de ser feito. É em alto mar, voltando-se para o seu irmão “perfeito” e derrotado, que ele diz algo assim: “não guardo energia para voltar”. É dizer, o momento é o “aqui e agora”. É hoje o dia de nos superarmos e “exalarmos” o melhor que há em nós!
Sem dúvida um grande filme. Recomendo!


Referência: MARCELO FANTAPPIÉ, Ph.D., é Professor Associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Pesquisador do Laboratório de Helmintologia e Entomologia Molecular do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Sobre o filme "Preto ou Branco" - de Mike Binder


Se o recomendo? Bem, depende do tamanho de sua lista de prioridades diárias. Não se trata de um filme excelente, imperdível. Mas há algo nele que despertou meu interesse, desencadeando uma reflexão que me levou a outras direções, bastante interessantes. Se não o levar também, pelo menos garanto a atuação impecável de Kevin Costner. Seus olhos são expressivos demais pra minha pessoa! Kkk...
Muito mais do que tocar no tema sobre o racismo como sugere o nome do filme - um racismo alimentado pela própria raça afligida, como faz Jeremiah Jeffers (advogado irmão da vó paterna), sobre o vício que apaga qualquer vestígio de dignidade (Reggie, o pai viciado), este filme sussurra otras cositas más, como, por exemplo, os atributos do Feminino, personificado pela avó Rowena, mãe do pai viciado. Toca também no tema da mágoa bem guardada, numa espera silenciosa por um pedido de perdão, como ponto de partida para a cura. E como se não bastasse, mostra esse impiedoso vício humano de negar nossos vestígios animais.
Pois bem: Rowena é a mulher que acredita no ser humano, que acredita no amor; um arquétipo da grande mãe bem encarnada, que não desiste do filho, que se faz forte para manter a família unida e em harmonia, que procura uma relação harmoniosa e justa mesmo com seu “adversário”, que não perde o foco em proporcionar o que for melhor para sua prole. Rowena acredita que trazer sua neta para perto do pai, poderá salva-lo.
Elliot é a outra parte. É o pai que perdeu sua filha sem ter tido a oportunidade de se reconciliar com ela e ampará-la antes de sua morte. É também o avô que tem a guarda da neta. Elliot não vê sua dor e de sua recém falecida esposa reconhecidas por aquele que ele julga responsável pela tragédia familiar. Neste caso, o arrependimento do vilão (Reggie) - seu pedido de perdão, é um passo necessário para seu processo de cura, e Elliot vive à espera desse dia.
Mas, particularmente, o ponto crucial do filme está na cena do tribunal, onde o avô é interpelado sobre ser ou não racista. Irônico, porque o racismo está, de fato, na outra parte, do lado dos próprios negros. É o avesso do avesso do Caetano!
O mérito dessa obra está em extrapolar esse tema (sou ou não racista), e aprofundar numa questão humana que nos lembra que também somos animais, que temos instintos, que fazemos reconhecimentos por meio dos opostos (preto/branco; claro/escuro; frio/quente) que não devemos ser interpretados pelo nosso primeiro pensamento/ reconhecimento/julgamento, mas pelo que vem depois - nosso segundo, terceiro, quarto pensamento, pelo que fazemos a partir daí. Um homem vê uma mulher e a primeira coisa que “reconhece” são seus peitos. Tá! E daí? Ele é um tarado? Sou apresentada à nova colega de trabalho, uma negra. Primeiro reconhecimento: minha pele é branca, a sua é negra. E??? O que se segue? A questão não é se isso é legal ou não que se dê num “ser de bondade” (nós humanos!), mas reconhecermos nosso lado instintivo para, um dia quem sabe, podermos transcender essa ilusão da separatividade e nos tornarmos plenamente conectados com tudo e com todos.

Você pode se perguntar por que tomei um rumo de reflexão tão improvável. Bem, desconfio que tudo veio à tona porque, no dia anterior, assistindo o canal da National Geographic, aprendi que as hienas organizam um ataque em grupo à sua presa, geralmente de porte muitas vezes maior que os seus, e a come viva. Num primeiro momento me pareceu tão brutal, tão violento. Um hemisfério “além do animal” fazendo julgamentos de um outro que evita reconhecer como seu. Complicou? Vou tomar um recurso poético. Alberto Caeiro (Fernando Pessoa) pode nos ajudar.
“Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo.  Mas não penso nele
     Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)                  
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
     Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
     Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
     Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...”