Quando falamos de medo, dá até
medo! Mas já perceberam quanta coisa boa pode acontecer a partir dele? Tem
gente que pensa que não tem, mas... quem nunca sentiu medo de perder o acesso
às criaturas que ama? Não ser bom ou preparado o suficiente? Não ser amado
quanto gostaria? De cair gradativamente no esquecimento por aquele que jamais
esqueceremos? De não se curar de um grande mal? De sonhar e, mais uma vez, ter
seu sonho interrompido?
Às vezes nos paralisamos diante
dele. Mas, às vezes, ele nos desafia a tal ponto que nos impele rumo ao
imprevisto, ao sem garantia, aos verdadeiros e novos descobrimentos. O medo se
torna um convite arriscado para conhecermos nuanças próprias que, na acomodação
e na garantia de segurança, jamais seriam percebidas. Desafiar o medo,
encará-lo com coragem (com o coração) é ampliar-se. Coragem e determinação
andam juntas, sendo o medo o ponto de partida. Coragem parece ser atribuição da
alma. À matéria (gene) cabe refleti-la de uma forma mais densa e óbvia.
Eis do que se trata essa história
– Um sujeito “classificado” (reduzido) a partir de seu código genético, que com
audácia, coragem e determinação prova a si mesmo (A si mesmo!!! Isso é o mais
legal.) que ele é muito mais que um gene. E vai além - que é esse gene que está “a seu serviço”, e
não o contrário. Falando de outra forma:
a matéria como reflexo de nossos corpos mais sutis (do sutil para o denso).
Quem (ou o que) está por trás? Quem tem as “rédeas” de nossas vidas? Quais os
nossos limites? O que significa cumprir a nossa vocação humana?
O filme mostra, cronologicamente,
uma disputa de resistência, em alto mar, do personagem principal com o seu
irmão geneticamente viável (perfeito) - na infância, quando jovens, e mais
tarde, já adultos. E me é inevitável a associação à algumas leituras que tenho
feito sobre a Epigenética.
Pra quem não sabe, a epigenética é definida como modificações do genoma
que são herdadas pelas próximas gerações, mas que não alteram a sequência do
DNA. “Por muitos anos, considerou-se que
os genes eram os únicos responsáveis por passar as características biológicas
de uma geração à outra. Entretanto, esse conceito tem mudado e hoje os
cientistas sabem que variações não-genéticas (ou epigenéticas) adquiridas
durante a vida de um organismo podem frequentemente serem passadas aos seus
descendentes. A partir do momento em que um óvulo é fertilizado por um
espermatozoide, essa nova célula (agora denominada de ovo) dará origem a um
conjunto de células que irão originar o embrião. A formação do embrião depende
da captação de sinais pelas células, sinais estes que podem vir de dentro das
próprias células, de células vizinhas (incluindo as células da mãe) e do meio
externo (do ambiente). Os sinais recebidos pelas células irão determinar não
somente a morfologia e fisiologia do futuro embrião e indivíduo, mas também o
seu comportamento. Nesse sentido, as células respondem a nutrientes e
hormônios, mas também a sinais físicos, como calor e frio, e comportamentais,
como estresse e carinho”. Há estudos que mostram que “as mães passam aos filhos os efeitos cognitivos durante a gestação,
provavelmente liberando hormônios que fazem com que marcadores químicos
epigenéticos (não dependentes dos genes) apareçam nos genes de seus filhos,
regulando sua expressão depois do nascimento”.
Apesar de receber, ainda bebê, o prognóstico de que seria um ser
geneticamente falho, fracassado, e com poucos anos de vida, essa parte de que
somos feitos, que está para além da matéria, decide não se resignar, interfere
e modifica a “determinação genética” escrevendo uma nova história, se tornando
um ser muito diferente do que se previa.
Que ousadia da ciência achar que pode nos definir e apontar nosso “destino”!
Outros pontos também me chamaram a tenção:
- Qual a vantagem de sermos perfeitos (ou quase perfeitos)? Não seria o
lance de sermos imperfeitos o “Q” que faz essa vida ter algum sentido? É a
partir desse ponto de “imperfeição” que podemos nos movimentar, nos
experimentar, seguirmos em direção a algo maior. Do aquém para o além.
- Economizamos uma energia que é inacabável. Pra quê? Postergamos, pra
quê? Economizar o que em nós é infindável (amor, plenitude, sabedoria...) não
faz sentido. A vida é um convite à exploração! Só temos o momento presente para
fazer o que há de ser feito. É em alto mar, voltando-se para o seu irmão “perfeito”
e derrotado, que ele diz algo assim: “não guardo energia para voltar”. É dizer,
o momento é o “aqui e agora”. É hoje o dia de nos superarmos e “exalarmos” o
melhor que há em nós!
Sem dúvida um grande filme. Recomendo!
Referência: MARCELO FANTAPPIÉ, Ph.D., é Professor
Associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Pesquisador do
Laboratório de Helmintologia e Entomologia Molecular do Instituto de Bioquímica
Médica da UFRJ.
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