terça-feira, 22 de setembro de 2015

Que horas ela volta? - filme de Anna Muylaert (2015)




De um extremo ao outro


PERSPECTIVA Nº 1 – DO QUE NÃO SE COMPRA. DAQUILO QUE SE CONSTRÓI.

A vida é um eterno chegar e partir. Isso nós já sabemos. Partem amigos, maridos, chefes, vizinhos, professores... As pessoas partem da vida da gente, e no ângulo oposto, nós partimos das pessoas. Mas num elo mais forte, entre pais e filhos, essa partida, breve ou longa, causa grandes estragos.

Quem parte tem suas razões. Quem fica, nem sempre sabe a razão do abandono ou despedida.

Também há aqueles que, embora nunca tenham partido (fisicamente), também nunca estiveram.

Expectativas frustradas... Tempo que não tem volta.

De um lado temos uma mãe que tinha total condição de exercer a maternidade plenamente, mas que a deixa a cargo da empregada. De outro, uma mãe que precisa partir para ganhar o sustento que garantirá melhores condições futuras para sua filha. Filhos gerados, ou só criados – não importa!, os elos são feitos de afeto. Uma criança encontra na empregada a mãe que carecia. E quando mais tarde a mãe biológica tenta ocupar seu papel (ilustrada na tentativa de mitigar a frustração do filho por não passar no vestibular), não se sente confortável, não se adequa a ele, afinal, esse “posto” não se compra, se conquista.


PERSPECTIVA Nº 2 – O QUASE

O “quase” nunca é. O “quase” dói por não ser. O “quase” engana, mas não convence. Há coisas que são ou não são, por não permitirem meio termo. A polidez não substitui a verdadeira estima. A patroa polida e educada sente o incômodo dever de retribuir aquilo que o dinheiro não paga: amor e dedicação. Então, no afã de mostrar seu pseudoreconhecimento promove a serviçal a “quase da família”.

Meu deus!!! Como esse “quase” revela tudo!

Como pagar (atenção: não digo retribuir) a empregada por exercer o papel de mãe a que ela declinou? O papel de “dona de casa” assumido dedicadamente pela empregada, que cuida e promove um lar aos que ali vivem? Simples. Promovendo-a a “quase membro da família”.


PERSPECTIVA Nº 3 – VISLUMBRO-ME FACILMENTE COM O QUE CAREÇO.

O marido vivo-morto. Não passa de uma sombra que vagueia dentro da própria casa, perdido entre o que poderia ter sido e o que é. Qualquer vislumbre de vitalidade, de autoconfiança, de determinação, de potência – no caso personificada pela filha da empregada – pode deslumbrá-lo, acordá-lo da letargia / apatia que o domina.


PERSPECTIVA Nº 4 – QUEM INVENTOU ESSAS REGRAS?

O que me cabe como patrão? O que me cabe como empregado? Qual o meu lugar? Até onde posso ir? Posição social é herança a ser deixada aos filhos? Quem inventou essas regras sociais? Por que não as questionamos? Minha submissão é uma herança hereditária?

Cabe à filha da empregada trazer à tona todas essas questões e, principalmente, romper a polidez disfarçada de respeito. É ela quem aponta o engano do “quase”. Que nos mostra que esse status quo é uma armadilha social, uma prisão que nos faz resignar ao “quase”: quase sermos merecedores, quase sermos dignos, quase sermos valorizados, quase sermos ouvidos, quase sermos da família.


Vale destaque a belíssima cena da piscina, quando a empregada-mãe-nordestina, no ato sorrateiro de entrar na piscina, ousa ultrapassar a linha invisível da discriminação.

PERSPECTIVA Nº 5 – EU, VANESSA

Como ser adestrado, começo assistindo ao filme ingenuamente. “Que garota é essa que não se enxerga? Que prepotente!”; “Ainda vai fazer a mãe perder o emprego”; “Ela está seduzindo o patético patrão?”;

Termino consciente de que não há certo ou errado num mundo onde tudo é ponto de vista, onde tudo é ilusão (Maia); Que as regras estão aí para serem questionadas; Que autorespeito pode ser confundido com prepotência, mas nem de longe são a mesma coisa. Que cada um tem a sua história, e ela não vem estampada na cara.

Durante os 110 minutos de filme fui levada de um extremo ao outro, e os julgamentos substituídos por perguntas ainda sem respostas.