quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

A 100 PASSOS DE UM SONHO



Direção: Lasse Hallström
Ano: 2014

É um daqueles filmes que usa a metáfora da culinária para falar de questões humanas universais, tais como o amor, a família, o propósito de vida, as divergências culturais, a tolerância e outras tantas questões que, inevitavelmente, movimentam nossas vidas, nos proporcionando o experimento do que é ser humano.

O filme segue a receitinha de sucesso trilhada por outros filmes com a mesma temática, com estrutura conhecida e desdobramentos previsíveis. Os clichês sobre o que é ser francês ou indiano quase comprometem definitivamente o filme. Porém, ao não deixar se enganchar nesses deslizes, é possível perceber algum potencial da obra em fazer dançar algumas preciosas ideias.

O enredo: uma família indiana, após uma tragédia que leva à morte a estimada mãe da família, passa anos perambulando pelo continente europeu, mudando de cidade de tempos em tempos, até que um dia, devido a um “quase” acidente fatal (do destino!) se fixa em um vilarejo francês. Lá, por “teimosia intuitiva” do pai, resgatam um antigo casarão para abertura de um restaurante indiano. Detalhe: exatamente em frente a um respeitado restaurante francês, estrelado no famoso Guia Michelin. Bem, minimamente, já sabemos os desdobramentos que teremos.

Acontece que, deixados de lado os temas mais clichês do filme, como os (des)afetos que vão surgindo no decorrer da obra, seus encontros, e a trajetória do jovem chef de cozinha, Hassan, até seu estrelato no mundo da alta gastronomia, algo raro vai se desvelando bem diante dos nossos olhos – aquilo que denominamos SINCRETISMO. Algo que, com a força por vezes devastadora da globalização, cada vez é mais raro de acontecer. Essa “protocooperação” entre duas culturas extrapola a arte da culinária – talvez ela seja apenas o ponto de partida. Sim, porque algo novo nasce. Quando Hassan é guiado por Madame Mallory (autoritária chef do restaurante francês) pelos conhecimentos da refinada gastronomia francesa, sem abandonar a tradição indiana, um salto culinário acontece de fato, mas não menos que um salto daquelas consciências envolvidas – um entendimento de que antes de sermos franceses ou indianos, somos humanos, e que esse “humano” tem muito a se experimentar. Primeiro o reconhecimento, que se dá de forma gradativa. Logo, abre-se espaço para a assimilação recíproca, e então, o próprio ser se transforma, se expande dentro do universo que contempla algo divino no/do humano. Do mesmo modo que o prato servido no restaurante francês já não é o mesmo, a Sra. Mallory também não o é. Não é só o restaurante que ganha uma estrela. Seus personagens principais tb. Nitidamente são modificados – mantêm suas essências, mas já são outros, a partir do outro.

O tema é muito mais que uma guerra de menus!

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