quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Minhas tardes com Margueritte, de Jean Becker


Há filmes pra todos os gostos, pra todas as horas... E pra todo tipo de experiência!

Se o seu coração já se abriu em flor, ou pelo menos teve um vislumbre do que é isso – é dizer – se já experimentou o prazer de vivenciar um amor sadio (que redundância! Se é amor, é sadio! Há quem chame de amor o apego, o medo, a conveniência...), aquele que surge despretensioso, sem exigências e cobranças, sem propósito, sem conceitos, que quando se vê, já é, pleno, forte, firme, profundo e leve, então vai reconhecer a semelhança nessa obra cinematográfica, nessa linda história, nesse encontro entre Margueritte (Gisèle Casadesus) e Germain (Gérard Depardieu). Podemos também chamá-los de “A borboleta” e o “Ogro”, ou ainda “A leveza” e o “Profundo”. Duas faces do Amor, expressas na polaridade desses dois personagens.

           Margueritte representa a fragilidade e a leveza desse sentimento. Germain, a fortaleza (cresceu sem demonstração de carinho, e se tornou a mais pura fonte do amor que lhe faltou).

          Fora isso, essa história nos mostra a beleza dessa totalidade em si mesmos: Margueritte é frágil, porém durável e resistente, tanto pela sua idade cronológica, quanto pela vida altruísta que levou. Já Germain, forte, tosco, mas também uma pluma, levinha e polvorosa, a pousar graciosa nos ombros dos amigos, vizinhos e namorada que o cercam.

      Margueritte tem os livros como sua expressão, representando sua capacidade imaginativa, intelectual e mental. Já Germain, tem seu jardim, representando sua conexão com a terra, o mundo vegetal, não das ideias, mas do sentir, onde o pulsar da vida, a força vital, o “chi”, latente, é mais forte que a expressão extrospectiva da mente intelectualizada, quase exibida.

          A beleza dessa história está no ENCONTRO e na troca que dela surge. Só compartilham o que têm de melhor, porque é só isso que sabem doar. Um livro (uma leitura) em troca de uma caixa de verduras frescas e naturais. A MENTE (neste caso, situada em seu devido lugar) em uma conversa amistosa e harmoniosa com o CORAÇÃO. Como numa dança, que no seu rodopio intenso, se torna um vulto único de partes inseparáveis, formando um TODO.

      Vale aqui uma observação relevante: a beleza de nosso “Ogro” estaria em sua ignorância, ou no seu pouco avanço intelectual? Bem, não o vi como um ser de inteligência limitada, talvez um engano daqueles que se acham espertos (fica aqui uma recomendação: leiam “Das vantagens de ser bobo” de Clarice Lispector. Imperdível!). O filme mostra um bloqueio criado na infância, uma crença tola de que ele era limitado, consequência de sua falta de sorte em ter um professor insensível (um tipo grave de limitação), incapaz de farejar o caos que esta criança vivia em casa, e as situações de humilhação que sua mãe e seus parceiros amorosos o submetiam, o que fazia ele se recolher ainda mais, criando um complexo de inferioridade, uma baixa estima, uma crença equivocada de que ele era burro. A riqueza cognitiva que ele demonstra durante as leituras de Margueritte nos mostra um homem acima da média no quesito “enxergar alguns palmos à frente do nariz”.

         É verdade que a ignorância na vida de Germain lhe impõe limitações, um desfrute reduzido da vida. Se lhe poupa dissabores, igualmente lhe rouba a delícia do entendimento pleno. Com a ajuda de sua amiga anciã, ele rompe lentamente esse véu da ignorância, e um mundo começa a se descortinar diante dos seus “olhos”. Veja sua alegria ao descobrir que seu amigo Jojo “the cook” é assim chamado porque cook significa cozinheiro, ou quando ele descobre palavras novas num velho dicionário. É um processo que lhe dói (veja quando ele resolve devolver o dicionário à sua antiga dona), mas que não tem volta, porque também lhe abre horizontes, lhe expande a consciência.


         Isso não deixa de ser uma grande lição, nos mostrando o que é o “caminho do meio” (nem uma apologia ao "saber viver” do homem simples e ignorante que vive à margem da sociedade, nem a crença estúpida de que, quanto mais instrução, mais sábios seremos).

      É no RELACIONAR-SE que se dá a completude. Ouvi uma vez que “Nós nos curamos no ENCONTRO. Ninguém cura ninguém. Ninguém transforma ninguém. Ninguém se cura sozinho”. De certa forma, entre Margueritte e Germain se dá um casamento, de alma, é certo! Mas um casamento. Onde um mais um não são dois. Onde se experimenta a trindade. Saem ambos modificados, potencializados, mais plenos. Onde a luz de um, ilumina a sombra do outro. O que falta em nosso Ogro, é o que sobra em nossa Borboleta – conhecimento! O que falta à Margueritte, é o dom maior de Germain (o cuidado, a amizade verdadeira e desinteressada). Veja: um lê, o outro escuta. Simples assim!


        Se você acha que eu estou viajando (risos), assista ao filme.

        Que esse release te caia como um convite para viver alguns minutos de doçura e leveza, em tela!

        Acrescento aqui alguns detalhes que não seriam legais passarem despercebidos:


ü  “... eu nasci de uma história de amor, como todo mundo” (Margueritte); “Não! Tem gente que nasce de um erro” (Germain);

ü  “Entre eu e minha mãe, a distância está na cabeça” (Germain);

ü  “Escutar bem é também ler” (Margueritte);

ü  “Não é bom ser tão amado numa idade tão tenra. Isso cria maus hábitos. Nós ansiamos, esperamos, criamos expectativas. Com o amor materno, a vida nos faz, na aurora, uma promessa que não se cumpre. (...) Depois, cada vez que uma mulher toma você nos braços e o aperta junto ao peito, são apenas condolências. Voltamos sempre para uivar sobre o túmulo de nossa mãe, como um cão abandonado” (Leitura de Margueritte sobre o livro de Romain Gary “A promessa da aurora”);

ü  Se uma criança não recebe amor na infância, terá que aprender mais tarde, não?” (Margueritte);

ü  “Minha vista está morrendo. Não se opera a morte” (Margueritte);


3 comentários:

  1. Vanessa, que bela percepção sobre o filme, compartilho com você as minhas também...chorei ao vir um filme tão delicado, cheio de amor fraterno, de cumplicidade, amizade, valores e dentre tantos outros adjetivos que não convém citar para não ficar repetitivo. Posso dizer que minha semana, teve um inicio esplendoroso depois dele e ainda mais sobre suas percepções. Não me contive, fui ler sobre você e confesso que viajei pelas suas palavras, a identificação foi imediata e sobre os "pensamentos", de hoje em diante olharei para eles sobre uma nova perspectiva, os terei como meus amigos, cúmplices, assim como você. Muito obrigada por suas belas palavras e tenha certeza, tens uma admiradora e seguidora em seu blog. Parabéns

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  2. Quê beleza! Uma parceira alada (do mundo das ideias ) nesse vôo de reflexões. Gratidão. Sigamos juntas. Abraços.

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  3. Quê beleza! Uma parceira alada (do mundo das ideias ) nesse vôo de reflexões. Gratidão. Sigamos juntas. Abraços.

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