Há algum tempo que estou com esse
filme martelando em minha cabeça. Uma vontade danada de escrever sobre ele, de
registrar e compartilhar minhas impressões. Talvez esse tempo entre assistir ao
filme e escrever sobre ele seja bom, pois as ideias vão se assentando e ficando
apenas aquilo que foi mais significativo – o essencial. Falar sobre o essencial
– seja lá do que for - me parece algo interessante. Não sobra muito para
especulações. Então, vamos lá!
Bem, “Ela” é um daqueles filmes
nada (in) críveis, mas que te prende a atenção do início ao fim. Para mim, e
talvez só para mim, é um filme que fala sobre a materialidade das coisas,
inclusive dos sentimentos, e a densidade intrínseca a ela. Claro que aqui
estamos falando de uma matéria muito mais sutil – o sentimento. Mas é sobre esse
ponto de vista que o sentimento é abordado.
No filme, o personagem principal
se apaixona pela voz de um sistema operacional. E é essa ausência de corpo, de
imagem pré-definida que nossos olhos captam e nossa mente imediatamente julga, que
permite um lapso, um “gap”, uma brecha, um “time” para a dança livre da
imaginação humana. E claro, se falamos de nossa particular capacidade de
imaginar, tocamos em nosso potencial criativo que, por sua vez, vai se
alimentar de nossas crenças, sejam elas particulares ou coletivas.
A falta de um corpo físico para
se tocar, se cheirar, se lamber, se olhar, (não digo ouvir, porque é o que
resta ao personagem principal), enfim, essa pouca densidade para se reconhecer
com todos os nossos sentidos e gerar nossas emoções, dá espaço (ou dá um salto)
para o SENTIR, para o despertar do amor.
Não é à toa que a tentativa de
materializar esse ser amado, contratando uma garota “real” para representar o
objeto de amor, é um fracasso, pois a beleza, o fundamento daquele amor está justamente nessa escassez de materialidade (só lhe resta uma voz). Trata-se de
amar o próprio ato de amar, trata-se de não dispersar energia com preocupações
e julgamentos acerca do superficial, do efêmero. Não se ama o outro, se ama o
próprio ato de amar, se ama aquilo que nos falta, ou melhor, aquilo que não
reconhecemos em nós, aquilo de que somos feitos e não sabemos. Se ama porque se
é amor (embora não se saiba amor).
Esse filme sinaliza o que é óbvio
para poucos e desconhecido para muitos: que o que vemos e vivemos - aquilo que
nos é externo – é uma interpretação particular a partir daquilo que somos
intimamente. É dizer, não importa o outro, importa como eu vou ao encontro
desse outro, como eu o codifico / interpreto/ reconheço. Nos mostra que o amor
nasce e morre no próprio amante, às vezes impulsionado pela sua carência (“mala
suerte” de muitos), às vezes pela sua abundância (sorte de poucos).
O frescor, a leveza do amor que
se mostra nesse filme pode ter muitas explicações, mas certamente, a escassez
de matéria é uma delas. Essa “falta” não deixa brecha para o julgar (ela é
feia, ela é bonita, ela é gostosa, ela é gorda, ela é magra, ela tem bom gosto,
ela parece isso, parece aquilo, ela tem bom emprego...) e fica-se na essência
do que é dito e sentido, fica-se mais próximo ao conteúdo das coisas, sobra
atenção para observar o que se passa por dentro de si. Sobra atenção para se
perceber os poros dilatando, os pulmões inflando, a consciência expandindo.
Sim, a Consciência, afinal, esse amor nos leva para o ponto do observador, que
vê panoramicamente e que é capaz de rir da constatação de que se está falando
com um sistema operacional. Loucura? Claro! Que delícia de loucura! É a própria
vida pulsando. O completo descompromisso com a racionalidade. O racional dando
espaço para a imaginação, sabendo-se que é ela própria a senda para o amor.
É quando entra o outro, ou os
outros, com seus respectivos corpos/pesos (afinal ele descobre que centenas de
milhares de pessoas estão simultaneamente se relacionando com sua Samantha – a
voz do sistema operacional) que a coisa toda começa a minguar. O foco desloca
para fora, quando o personagem principal se dá conta que “aquilo” que ele
julgava ter, possuir, não é só dele, não se passa apenas com ele, que ele não é
o centro do mundo, o filho único de Deus.
É ai que o outro, o que está fora, entra. O outro lhe toma espaço,
parece lhe subtrair aquilo que estava dentro. É o outro nos trazendo para a
“realidade”. Não é mais possível rir da irracionalidade aparente de se apaixonar
por um sistema de informática. Perde-se o humor, perde-se o amor. Não há mais
espaço para a imaginação.
É o outro mostrando o nosso limite,
a nossa borda. Agora um “outro” mais real, mais denso, não apenas uma voz. Aí a
coisa fica um pouco mais complicada. É mais difícil amar todas essas “vozes”. Ora,
até então a voz única e amada não tinha sido capaz de estabelecer esse limite. Ela
(a voz) era quase uma extensão do amante. Amante e amado - uma coisa só! É
quando se fragmenta que a coisa desanda. É essa materialidade, percebida
fragmentada (eu, você) que nos leva a um amor limitado, egoísta, diminuto, onde
um só ganha quando o outro perde, onde o sonho do outro não pode coexistir com
o nosso.
Oi querida, vida longa para seu blog. Adorei!
ResponderExcluirVi o filme e adorei, mas nao tinha percebido tantas sutilezas! Parabens pela sensibilidade! Bjs
ResponderExcluirEste filme eu assisti, até por sua indicação, realmente é ótimo!
ResponderExcluirAgora, ficou ainda melhor com o seu comentário, explico porque digo isso:
Não tinha, até agora, me dado conta do fascínio que é a imaginação quando apenas uma tênue linha esboça uma cena ou um fato. Qualquer cena mostrada com imagem e cores, invade seu discernimento limitando a imaginação. Quando a TV era preto e Branco, imaginávamos as cores, quando as novelas eram apenas no rádio, imaginávamos os personagens e cenários, idem nos livros, mas não tinha percebido.... ou imaginado que neste excelente filme a cores e abordando com todas as técnicas a tecnologia atual e futura, a imaginação pudesse ter um lugar tão vasto como você tão bem a associou ao personagem. 10!
ImaginAÇÃO como um caminho para acessar nosso Eu criativo.
ResponderExcluirTenho tantas abordagens para este filme... hehehe!!! Só que ficaria um texto grande demais. Mas ainda quero escrever sobre outro ponto de vista, onde o sistema operacional é apenas a maneira mais contemporânea que Deus encontrou de nos revisitar - antes como Cristo, Sai Baba e tal; Agora como Samantha (a voz do sistema operacional). Em breve! kkk...
Olá Vanessa!
ResponderExcluirQuando tiver um tempinho, nos brinde com o seu "outro ponto de vista",... mesmo que seja breve ;)
O filme fala de amor platônico, pois se apaixonar por uma voz, que a verdade seja dita, é da Scarlett Johansson e qualquer um se apaixonaria, é um relacionamento platônico cheio de idealizações próximo a perfeição. O treco todo rui ao primeiro contato com a realidade quando ele descobre que a namorada tem milhões de outros amores.
ResponderExcluirA vida é real e deveria ser tratada como tal. Tive alguns amores platônicos. Muitos na infância, alguns na adolescência e poucos na vida adulta. É legal possuí-los. Mas quando eu coloquei um ou 2 destes pelo teste da realidade foram amores bem menores que os reais que possui, pq foram bem menos do que o idealizado.
Não devemos idealizar tanto, pois aí projetamos no outro aquilo que queremos para nós mesmos.