Também
poderia ser - “Um homem e sua
constelação”.
Trata-se de um
filme dinamarquês dirigido por Bille August, o mesmo diretor de “Trem noturno
para Lisboa”.
Filme longo
(mais de 150 minutos), focado nas angústias, traumas e ambições do personagem
central - Peter Andreas Sidenius.
Peter é um
estudante de engenharia, visionário, ávido por abandonar definitivamente o
emaranhado familiar cujas crenças religiosas chocam com sua visão de mundo a
ponto de tolher suas ambições profissionais. Em Copenhague, onde consegue ser
admitido numa faculdade, se envolve com uma rica e influente família judia na
tentativa de conseguir apoio para seu projeto, revolucionário para a época, de
geração de energia renovável. A família Solomon não só o apoia no ambicioso
projeto, como também permite seu noivado com a filha mais velha, então noiva de
um afetuoso viúvo judio, bem mais velho.
A meu ver o
longo filme é primorosamente sustentado por dois temas principais: o delicado e
suscetível afeto que se desenvolve entre Peter e Jakobe (a filha mais velha)
com as discrepâncias de suas respectivas origens e percepções; e o emaranhado
de sentimentos mal interpretados e mal resolvidos que Peter nutre por sua
família de origem, acreditando, ingenuamente, que o simples abandono de sua
terra natal seria a solução. Ambos os temas estão intrinsecamente ligados, uma
vez que projetamos em cada nova e importante relação nossas demandas afetivas
mais dolorosas e enraizadas.
Foi inevitável
enxergar neste enredo as leis sistêmicas reveladas pelo psicoterapeuta alemão
Bert Hellinger, autor das Constelações Familiares. Principalmente a Lei da Hierarquia (ou Ordem) e a do Pertencimento.
Peter, ao negar
sua origem, especialmente na figura do pai, perde sua força, seu centro e, por conseguinte,
sua lucidez. Honrar pai e mãe, aceitá-los exatamente como são, para além dos
julgamentos (se estão certos ou errados) é essencial para nosso amadurecimento,
para a descoberta necessária da matéria-herança da qual somos feitos. Nossos
pais vieram primeiro e devem ser respeitados. O respeito sistêmico transcende crenças
e valores individuais. Nossos pais são nossos portais de origem, de onde viemos.
Querer modificá-los é não aceitar parte de nossa própria essência.
Ao longo do
filme vemos um sujeito perdido entre o amor não reconhecido que o liga à sua
família de origem e a dor contida, manifestada em birra, intransigência e
orgulho advindos do medo de não pertencer, de não ser adequado, de não ser
acolhido - em última instância, de não ser amado.
Peter
personifica a pessoa vinculada a uma constelação, ou seja, a um sistema
familiar, que necessita ser reconhecida como membro integrante desse sistema,
independente de suas dificuldades ou virtudes pessoais. Afinal, todos nós temos
um papel importante em nossa constelação e não devemos ser excluídos ou nos
sentirmos excluídos, pois temos todos os mesmos direitos de pertencimento.
Quando, mais
tarde, Peter se encontra no papel de pai, com sua própria família, tem a
oportunidade de tatear esse “poder” e essa vulnerabilidade de ser o que
antecede, de ser o primeiro. Todavia, não tem mais seu pai para se redimir, não
tem como voltar o tempo. Aparenta carregar uma grande frustração por não ter se
apropriado devidamente de seu Dharma. Reconhece, dolorosamente, que à sua força
faltou sabedoria, serenidade, discernimento, qualidades ofuscadas pela dor de
não se sentir amado e pertencido.
É que às vezes
a religiosidade ganha peso à despeito do amor, e nesse contexto as pessoas se
tornam frias, contumazes, duras, cheias de verdades e fé vazia. Nascer e
crescer nesse contexto exige uma bravura daquelas que não tem medo de romper,
mas que também, e principalmente, não tem medo de fundir-se.
“Um homem de
sorte” não deixa de ser um título irônico. Perde-se o que se tem de mais
precioso. Onde está sua força está sua fraqueza.
Para finalizar,
preciso pinçar a delicadeza da personagem de Jakobe. No transcorrer de sua
história vai ficando clara a razão de sua escolha inicial – casar-se com um
viúvo mais velho, com duas filhas órfãs de mãe. É que Jakobe, discreta e
atenta, carrega um coração amoroso, sensível, altruísta. Ela é a personificação
judaica do amor “cristão” pregado pelo pai vigário de Peter. Mais uma ironia da
vida.
O filme é
longo, é verdade! Talvez para nos permitir o vislumbre de uma trajetória humana
– onde tudo começa e onde tudo termina.
Vou ver e depois comento. Valeu pela dica.
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